Como seres morais, possuímos um intelecto ativo, que possui a necessidade, ou ao menos uma tendência, ao estímulo intelectual. Estamos constantemente buscando tais estímulos.
Há inúmeras formas pelas quais podemos estimular nosso intelecto, desde o estudo, consumo de ficção, jogos, etc. Hoje falaremos sobre o consumo de ficção.
Seria a ficção um bom estímulo intelectual?
Quando nos envolvemos em um mundo de ficção, vivemos uma realidade que não existe, e isso pode ser bom e ruim.
É bom, pois nos permite vivenciarmos experiências que não vivemos, sentir através daquilo que não aconteceu conosco, é um exercício de empatia, e muitas vezes pode nos ensinar mais sobre nós mesmos; assim como algumas das características de David Copperfield, ou alguns sentimentos Andrei Bolkonsky, me mostraram algo sobre minhas próprias características e sentimentos.
A ficção também é uma forma de abrir a mente, pois o autor pode levantar questões que talvez não levantaríamos nós mesmos, e com isso passamos a enxergar algo com uma nova perspectiva.
O lado ruim, no entanto, é que se trata de uma experiência irreal, e o autor pode tendenciar nossos sentimentos da forma que bem entender. A ficção é um monólogo, os argumentos apresentados serão aqueles que o autor julgar representar melhor o sentimento que ele intenciona para seu público.
Assim como autores podem nos fazer enxergar por novas perspectivas, eles também podem perverter algumas dessas perspectivas em sua narrativa e nos transmitir valores, que em seu mundo fictício podem até serem reais, mas que na realidade são falsos. Já ouvi pessoas defendendo o assassinato cometido pelo Raskolnikov no livro Crime e Castigo de Fiódor Dostoiévski (não que Dostoiévski o tenha feito).
É importante entender sobre o autor, a obra, o contexto em que foi escrito, as ideias defendidas e as influências que levaram o autor a defendê-las. Dessa forma a leitura nos será menos perigosa, poderemos deixar que o autor no guie por uma nova experiência em seu mundo literário, porém estaremos mais preparados contra devaneios românticos ou fanatismos idealísticos.
E quanto a filmes?
Assim como livros de ficção, filmes conseguem nos levar a “experienciar” coisas novas e nos proporcionar novas perspectivas, mas há duas grandes diferenças entre ficções literárias e cinematográficas que eu gostaria de destacar.
A primeira delas é a própria natureza do conteúdo, por mais que às duas sejam ficções, o filme, diferente de um livro, tem um escopo maior do que só a narrativa em si. Não sou nenhum conhecedor de cinema, mas consigo perceber algumas competências envolvidas em um filme que não estão presentes em um livro, como filmagem, iluminação, música, cenário, enfim; em um filme, a emoção, a reflexão, o estímulo intelectual em si, é alcançado através de diferentes recursos que não só a narrativa, e isso se reflete em como a estória é contata.
Uma narrativa de guerra, por exemplo, em um livro a representação será consideravelmente menor do que a de um filme, pois em um filme será dado foco para as cenas de ações, detalhes de confrontos, onde haverá um zoom in em confrontos específicos dos personagens principais, um zoom out da batalha como um todo, enfim, uma cena de guerra gera muito mais conteúdo para um filme do que para um livro, ainda que a narrativa seja a mesma.
A segunda é o esforço exigido para o consumo da ficção, um filme exige menos esforço para ser consumido do que um livro, o que os tornam muito atraentes para saciar nossa tendência ao estímulo mental. Essa facilidade, no entanto, pode ser perigosa, pois pode nos levar a excessos, nos fazendo consumir esse tipo de conteúdo por horas a fio, gastando nossa energia intelectual, energia que muitas vezes poderia ser aplicada em algo mais produtivo, que nos leve para mais perto dos nossos objetivos.
Filmes podem nos trazer aprendizados, reflexões, ou até mesmo um relaxamento depois de um dia complicado, mas é importante consumi-los de forma moderada, pois a facilidade do seu consumo pode nos levar a excessos. Um método que considero interessante é setar, previamente, um limite de tempo que se considere saudável para consumo de filmes, e se esforçar para não passar desse limite.
Não penso que deveríamos setar limites apenas para filmes, acredito que livros também podem ser consumidos de forma excessiva, assim como qualquer outro tipo de conteúdo, o ponto é que filmes, assim como qualquer outro conteúdo audiovisual, como redes sociais, vídeos, programas de TV, etc., são mais propícios a consumos excessivos, por exigirem menos esforço para serem consumidos.
Conclusão
Penso que ficção é um bom estímulo intelectual, mas que precisa ser consumido com cuidado. Precisamos entender sobre o autor e as ideias defendidas, e estar atento as distorções da realidade.
É importante setarmos limites para qualquer estímulo intelectual, e isso se aplica também ao consumo de ficção, entretanto o limite saudável vai depender de cada um, da rotina e objetivos de cada pessoa individualmente.
Lembre-se, para cada hora que passamos em uma atividade, há uma infinidade de outras atividades que deixamos de fazer. Precisamos ter sabedoria e usarmos bem nosso tempo, de forma que nos tornemos cada dia melhores versões de nós mesmos.
Life is long if you know how to use it.
Seneca, On the Shortness of Life